A falta de conhecimento técnico de administradores e síndicos dos condomínios em relação à manutenção predial tem sido relegada, na maioria das vezes, a um segundo plano.
Existe uma falsa ideia de que com a finalização das obras também se finalizam os gastos com uma edificação. Isso não procede, pois a partir do final das obras estas passam a iniciar um processo de deterioração e de degradação de seus sistemas construtivos. Assim como qualquer máquina, as edificações também carecem de manutenção, seja ela preventiva e/ou corretiva para manter seu desempenho e proporcionar conforto e segurança a seus usuários e a terceiros.
Em 2009, o IBAPE–SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo) realizou um estudo com o objetivo de verificar a causa dos acidentes ocorridos em edificações com idade acima de trinta anos. A pesquisa incluiu a verificação das causas de acidentes ocorridos em várias edificações, tanto residenciais como comerciais, e chegou à seguinte conclusão: “66% dos acidentes eram provenientes de falhas de manutenção e do uso e os outros 34% decorrentes de anomalias construtivas endógenas”.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, em vigor desde março de 2016, as responsabilidades dos síndicos, tanto no âmbito civil como no criminal, ficaram bem claras. Passou-se a exigir dos mesmos um maior cuidado com a manutenção das edificações às quais administram. Porém, é muito comum nos depararmos com edificações em estado de conservação que deixam muito a desejar.
As edificações com idade aproximada de até 10 anos passaram a contar com o Manual de Operação, Uso e Manutenção das Edificações, cujas diretrizes para elaboração são oriundas da ABNT NBR 14037:2011 versão corrigida 2014 (Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações — Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos). Esse manual tem por objetivo informar aos proprietários,
condôminos e ao síndico/administrador as características técnicas da edificação construída e descrever os procedimentos recomendáveis e obrigatórios para sua conservação, uso e manutenção, assim como para a operação de seus equipamentos.
No caso das edificações mais antigas, que normalmente não possuem o Manual de Operação, Uso e Manutenção das Edificações e que ocasionalmente não possuem manutenção preventiva, se faz necessário a execução de um detalhado diagnóstico, elaborado obrigatoriamente por um profissional habilitado para tal. Trata-se do Laudo Técnico de Inspeção Predial. A ABNT NBR 16747:2020 – Inspeção predial – Diretrizes, conceitos, terminologia e procedimento, é a
norma que traça as orientações para a elaboração do Laudo Técnico que vai auxiliar os gestores das edificações na tomada de decisões. Para isso, leva-se em consideração as perdas de desempenho dos sistemas elencados no laudo, assim como o grau de criticidade de cada um deles.
Concomitante à NBR 16747:2020, devemos também atentar para as normas ABNT NBR 5674:2012 – Manutenção de edificações – Procedimento, que visa orientar os profissionais quanto ao programa de manutenção (preventiva e/ou corretiva) das edificações, e ABNT NBR 16280:2020, que estabelece os requisitos para os sistemas de gestão de controle de processos, projetos, execução e segurança das reformas de edificações. Essas três normas estão intrinsecamente interligadas quando se trata de manutenção das edificações.
O trabalho Estudo Sobre as Manifestações Patológicas de Fachadas dos Edifícios da Cidade de Belo Horizonte/MG, executado pelo IBAPE-MG e publicado em 2020, do qual me orgulho de ter participado, aponta a seguinte conclusão “… a maioria das manifestações patológicas existentes nas fachadas estudadas são decorrentes da ausência de manutenção adequada das edificações. A falta do manual de operação, uso e manutenção de edificações (geralmente em edificações mais antigas) ou não obediência às orientações deste documento (como no caso das edificações mais
novas) são os maiores causadores das não conformidades existentes nas fachadas.”
Esta é apenas a ponta do iceberg, pois existem problemas estruturais com alto grau de criticidade que a curto e médio prazo podem levar as estruturas até mesmo ao colapso. Neste exato momento, várias edificações podem estar em risco devido à falta de manutenção, que poderia ser sanada com a obrigatoriedade de um Laudo Técnico de Inspeção
Predial que ateste suas condições de segurança e habitabilidade.
Há um Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 6.014/2013), de autoria do senador Marcelo Crivella, que cria o Laudo de Inspeção Técnica de Edificação (LITE). Em algumas capitais, como Rio de Janeiro e Porto Alegre, já
existem leis que tornam obrigatórias as vistorias técnicas periódicas para atestar as condições das edificações.
Em Minas Gerais, estão em fase inicial de tramitação na Assembleia Legislativa dois Projetos de Lei similares. O PL nº 583/2015, de autoria dos deputados Fred Costa e Paulo Lamac, “dispõe sobre a obrigatoriedade de vistoria pelos condomínios de prédios comerciais e residenciais e dá outras providências”. Já o PL nº 871/2015, também do deputado Paulo Lamac, “determina a realização periódica de inspeções em edificações e cria o Laudo de Inspeção Técnica de Edificação – Lite –, além da Certidão de Inspeção Predial – CIP”.
Em Belo Horizonte, existem três Projetos de Lei tramitando na Câmara Municipal. O PL 419/2013, que “dispõe sobre a obrigatoriedade da elaboração de laudo técnico sobre as condições dos edifícios do Município de Belo Horizonte e dá outras providências”; o PL 651/2013, que “institui a obrigatoriedade de laudo técnico sobre as condições dos edifícios residenciais e residenciais mistos”; e o PL 1142/2014, que “institui a obrigatoriedade de realização de vistorias técnicas nas edificações existentes no Município de Belo Horizonte e dá outras providências”.
É importante salientar que não só as edificações particulares devem ser alvo de inspeções prediais, mas também as públicas. Estas, por sua vez, possuem uma atenção diferenciada até sua inauguração, sendo depois relegadas ao esquecimento, sem um cronograma de inspeção/manutenção. Via de regra, esse planejamento só vem após algum evento desastroso ocorrido exatamente pela falta de manutenção.
A manutenção predial deveria ser, na maioria das vezes, apenas preventiva. Porém, devido à falta de conhecimento da população, em grande parte ela é corretiva. Reforço, então, a relevância da inspeção predial, pois ela instruirá e permitirá aos proprietários das edificações planejar as manutenções de seus sistemas construtivos. Dessa forma, serão realizadas intervenções com segurança e tranquilidade, pois os desembolsos financeiros estarão planejados conforme a cronologia de execução, elaborada por um profissional habilitado.
Também cabe mencionar a importância da aprovação dos projetos de lei nas diferentes instâncias do Legislativo. Quando se torna obrigatória a inspeção predial periódica e se institui penalidades para aqueles que não a realizam, o resultado, na maioria das vezes, é satisfatório.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 14037: Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações – Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos. Rio de Janeiro: ABNT, 2011.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 16280: Reforma em edificações – Sistema de gestão de reformas – Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 16747: Inspeção predial – Diretrizes, conceitos, terminologia e procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2020.
BELO HORIZONTE. Projeto de Lei n. 419, de 2 de janeiro de 2013. Dispõe sobre a obrigatoriedade da elaboração de laudo técnico sobre as condições dos edifícios do Município de Belo Horizonte e dá outras providências. Belo Horizonte: Câmara Municipal, 2013. Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2021.
BELO HORIZONTE. Projeto de Lei n. 651, de 1º de janeiro de 2013. Institui a obrigatoriedade de laudo técnico sobre as condições dos edifícios residenciais e residenciais mistos. Belo Horizonte: Câmara Municipal, 2013. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2021.
BELO HORIZONTE. Projeto de Lei n. 1142, de 2 de abril de 2014. Institui a obrigatoriedade de realização de vistorias técnicas nas edificações existentes no Município de Belo Horizonte e dá outras providências. Belo Horizonte: Câmara Municipal, 2014. Disponível em: Acesso em: 5 jul. 2021. BRASIL. Código do Processo Civil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2016.
BRASIL. Projeto de Lei n. 6.014, de 17 de julho de 2013. Determina a realização periódica de inspeções em edificações e cria o Laudo de Inspeção Técnica de Edificação (Lite). Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/propmostrarintegra;jsessionid=node01etzv6p9wii5sz9h6i7xuue8l4196067.no – de0codteor=1111304&filename=PL+6014/2013>. Acesso em: 13 jul. 2021.
INSTITUTO BRASILEIRO DE AVALIAÇÕES E PERÍCIAS DE ENGENHA – RIA DE MINAS GERAIS. Estudo Sobre as Manifestações Patológicas de Fachadas dos Edifícios da Cidade de Belo Horizonte/MG. Belo Horizonte: IBAPE/MG, 39 p. Disponível em: Acesso em: 9 jul. 2021.
MINAS GERAIS. Projeto de Lei n. 583, de 24 de março de 2015. Dispõe sobre a obrigatoriedade de vistoria pelos condomínios de prédios residenciais e comerciais e dá outras providências. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa, 2015. Disponível em: Acesso em: 13 jul. 2021. ]
MINAS GERAIS. Projeto de Lei n. 871, de 7 de abril de 2015. Determina a realização periódica de inspeções em edificações, cria o Laudo de Inspeção Técnica de Edificação – Lite – e a Certidão de Inspeção Predial – CIP. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa, 2015. Disponível em: Acesso em: 14 jul. 2021.