Diariamente, na execução de nossos trabalhos, quando estamos a realizar perícias judiciais, nos deparamos muitas vezes com situações inusitadas e que à primeira vista parecem ser de difícil solução, porém, muitas vezes a experiência e a vivência dos mais velhos podem nos auxiliar muito. Lembro-me de uma perícia realizada na cidade de Entre Rios de Minas/MG, no mês de novembro de 2011.
Meu pai, Antônio Deschamps, engenheiro agrimensor, foi nomeado pelo juízo da comarca local para realização de uma perícia envolvendo uma disputa por terras. Sempre trabalhávamos juntos devido à sua idade já avançada. Além da nomeação do perito oficial, conforme preceituava o CPC (Código de Processo Civil) de 1973 – código vigente à época, o Magistrado ainda nomeava mais dois arbitradores, que, neste caso, eram pessoas leigas em relação ao trabalho a ser realizado, mas conhecedoras da região devido ao fato de serem nascidas e criadas na mesma.
Efetuado o depósito dos honorários, foi determinado o início dos trabalhos. Tratava-se de uma perícia demarcatória, onde as partes não conseguiam entrar em acordo sobre a localização da cerca que dividia suas propriedades. A parte Autora era possuidora de um terreno contíguo ao terreno do Réu, e alegava na inicial que o Réu erigiu uma cerca clandestina além dos limites de sua propriedade, invadindo assim, o terreno da mesma. A parte Ré, por sua vez, contestava toda a argumentação trazida aos autos pelo Autor, citando em sua defesa, uma averbação de retificação de divisas levada a registro pela parte Ré em 18 de agosto de 1972.
No dia agendado para a vistoria, tinha-se a impressão que só faltava o Prefeito da cidade para participar do início dos trabalhos, pois lá estavam: as Partes, acompanhadas de esposa e algum parente; seus procuradores e respectivos assistentes técnicos; os arbitradores; meu pai; eu; nossa equipe de topografia e alguns curiosos. Éramos somente da equipe de vistoria umas dezoito pessoas, parecia mais uma procissão do que uma pericia técnica.
Antigamente, as referências dos cartórios para determinar as divisas dos terrenos, de maneira geral, eram muito precárias; é muito comum ainda nos depararmos com registros de terrenos que possuem em seu memorial descritivo termos como: “Partindo do pé de jatobá existente no topo do morro…”, “Partindo do ‘valo’ existente junto à estrada que vai para…”, e aí por diante. No caso em questão o registro do terreno objeto da lide, datado de 28 de abril de 1972, foi transcrito da seguinte forma “… acordam entre si que os marcos divisórios, sejam retificados pela maneira seguinte: em o moerão que faz canto com a Rua Esmeralda, do loteamento da Construtora Oceano e a estrada nova para a sede da Industrial Entre Rios, em continuação da referida Rua, em reta margeando a rampa e o aterro, até sua parte final, na extensão de 340,00 metros aproximadamente, onde faz divisa com terrenos pertencentes a industrial Entre Rios; deste ponto em ângulo reto, por cerca de arame na extensão de 96,00 metros...”, (esta era a cerca da discórdia), ocorre que, em 2011 a Rua esmeralda já havia passado por melhoramentos e alargamentos e a estrada nova para a sede da industrial Entre Rios também, sendo esta última passado inclusive a se chamar Rua Califórnia.
Inicialmente, tomamos o cuidado de efetuar o levantamento topográfico das áreas litigantes, porém, a divisa entre elas ainda era passível de estudos dos documentos apresentados, pesquisas e investigação.
Funcionário aposentado do antigo DER (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem), meu pai lembrou-se dos levantamentos aerofotogramétricos executados pelo órgão na época em que lá trabalhava na diretoria de projetos do mesmo e que serviam para os projetistas analisarem os melhores traçados para as nossas estradas. Acrescentou ainda que a CEMIG também realizava este trabalho.
Importante salientar que Ortofoto ou Ortofotografia (do grego orthós: correto, exato) é uma representação fotográfica de uma região da superfície terrestre, na qual todos os elementos apresentam a mesma escala, livre de erros e deformações, com a mesma validade de um plano cartográfico.
Antigamente esses órgãos estaduais (DER e CEMIG) contratavam companhias aéreas para realização de levantamento aerofotográfico de determinadas regiões.
E não é que entre as ortofotos adquiridas do DER/MG obtidas de voos executados entre os anos de 1966 e 1968, conseguimos encontrar o entroncamento da Rua Esmeralda com a estrada nova para a sede da Industrial Entre Rios, que, quando da implantação do loteamento da Construtora Oceano havia sofrido alteração. Esta ortofoto somada ao levantamento topográfico realizado por nossa equipe na data da vistoria tornou possível encontrar as coordenadas do exato ponto de partida relatado no memorial descritivo da escritura do terreno. E daí, puxar os 340 metros em linha reta que determinariam o ponto exato onde iniciava a cerca de divisa das duas propriedades, sugestionando aos arbitradores e, consequentemente, ao Magistrado, a solução para este conflito que já perdurava por anos.
Desse modo, conclui-se que a utilização de ortofotos de regiões que sofreram alterações com o passar dos anos faz com que cenários já extintos sejam remontados, corroborando assim com o trabalho pericial na solução de conflitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
– ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13.752 – Perícias de Engenharia da Construção Civil. Rio de Janeiro, 1996.
– ORTOFOTO: a imagem que é um mapa. [S.l.]: MundoGeo, 2000. Disponível em: <http://mundogeo.com/blog/2000/12/01/ortofoto-a-imagem-que-e-um-mapa/>. Acesso em: 17 dez. 2017.